Em Manaus, entre as décadas de 1940 e 1960, vivem os irmãos Omar e Yaqub e sua atribulada família de origem libanesa. A história é contada em primeira pessoa por um personagem que é apresentado apenas depois de alguns capítulos e que vem embutido com algumas intrigas e suspenses.
Zana e Halin, ambos de origem libanesa, se casam num clima de amor intenso e juvenil. Halin sempre fora apaixonado pela esposa, e a última coisa que queria era filhos; Zana, por outro lado, alimentava o sonho de ter sua própria família. Halin, para agradar a esposa, acaba cedendo e o casal tem três filhos: os gêmeos Omar e Yaqub, e a caçula, Rânia. Na casa ainda vive a ama Domingas, de origem indígena.
A história versa sobre a convivência entre as pessoas deste núcleo familiar e os que os cercam, episódios de suas vidas que influenciam o fluxo da própria família.
Milton Hatoum, escritor manauara, tradutor e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, é um artista inovador, que traz ao leitor um cenário de uma Manaus diferente das tribos indígenas e macacos mascotes que a maioria dos artistas apresenta. A cidade é civilizada, tem tecnologia e modernidades da época chegando, e cresce como qualquer outra grande cidade. Há uma grande quantidade de imigrantes vivendo em Manaus, muitos a procura de refúgio, muitos a procura de vida nova.
Domingas é uma índia, que foi tirada de sua tribo ainda criança, educada por freiras em um convento e vendida, de forma velada, à família de Zana. Nunca foi tratada como uma filha adotiva, mas como uma serva da casa. Esse é um cenário da época colonial do Brasil, presente ainda no século XX, mas desconhecido do restante do país. Seria impensável acreditar que ainda hoje existem relações desse tipo num Brasil tão (aparentemente) moderno. Cenários como estes soam como uma crítica do autor sobre como Manaus ainda guarda traços de hábitos passados, que precisariam ser suplantados para que a cidade conseguisse verdadeiro destaque entre as maiores cidades do país.
Omar e Yaqub são dois irmãos que definitivamente não se entendem. Desde crianças se detestam e o comportamento dos pais, especialmente da mãe, alimenta ainda mais esse desentendimento. Uma atitude bastante clara no livro e velada pela sociedade é a da preferência dos pais, bem demonstrada pelo papel de Zana. Desde sempre seu filho favorito é Omar, o mais novo dos gêmeos. A ele nada é negado, e qualquer problema que surja, Zana aparece como uma leoa para proteger sua cria. Por outro lado, Omar acaba sendo o preterido, apesar de ser o mais esforçado, aquele que conquista tudo o que tem. Rânia, no raking de preferência da mãe, fica com o último lugar. Para o pai, é o contrário: o que ele menos gosta é Omar, seja por ciúmes, seja por intolerância à sua personalidade, ao que ele se tornou graças à superproteção de Zana e às suas atitudes.
A separação definitiva acontece na adolescência. Após um conflito entre os dois, a família resolve mandar Yaqub viver com parentes no Líbano. Quando volta, os irmãos se ignoram, não raro entram em conflitos verbais e físicos, Omar sempre levando a vantagem nas brigas.
Enquanto Omar se dedica a vadiagem, Yaqub se dedica aos estudos, se tornando cada vez mais o preferido do pai. Logo aparece uma oportunidade e ele parte para São Paulo, sob fortes protestos da mãe, que prefere ter todos os filhos sob suas asas protetoras. Indo para São Paulo, o rapaz só evolui em sua carreira e colhe frutos, o que causa grande inveja em seu irmão. Omar continua aprontando coisas cada vez piores, talvez como uma tentativa de desviar a atenção dos pais de seu gêmeo, bem como uma criança mimada.
O fluxo de evolução e desenvolvimento é representado por Yaqub: aquele que vai para São Paulo, o motor do país, é aquele que passa a ter modos e atitudes civilizadas; aquele que fica em Manaus continua em atraso, agindo como selvagem, um ser que tem que lutar por sua sobrevivência da maneira que sabe: pela lei do mais forte.
Dois Irmãos é um livro riquíssimo em alegorias e simbologias, críticas e ironias, características que acolhem o leitor e fazem pensar.
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